domingo, maio 28, 2006

Mário de Sá Carneiro


O movimento... as viagens...
Outra voluptuosidade de capitoso enigma... Pois sempre me assombrou estar hoje
aqui, na minha terra medíocre, nesta cidade ocidental, ao sul da Europa – e, em cinco
dias (poucas horas), poder chegar, no norte, à capital do Império sombrio e denso da
minha nostalgia roçagante...
Depois de vagabundear incerto algum tempo por outros países,
esqueço-me de quem sou, quase – não mo relembrando nem a atmosfera, nem o
cenário... tão-pouco as personagens que me cercam... Duvido se serei eu-próprio –
convenço-me de que o não sou... Nunca pude crer que fôssemos totais: o meio que nos
envolve é também um pouco de nós, seguramente. Logo devemos variar em alma (e em
corpo até, quem sabe) segundo os países que habitamos.
Por isso receio muito quando alguém que estimo se afasta de mim, com o pavor
do seu regresso – e ao esperar na estação um amigo após uma ausência de alguns meses,
um grande enleio me assalta diante dele, titubeando, sem já o poder tratar por tu como
fazia dantes...
Mário de Sá Carneiro in Céu em Fogo (A grande sombra), Maio 1906
boa viagem...

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