segunda-feira, janeiro 29, 2007

Idola Fori

Eu sei diversas coisas


saber é afinal a minha única ocupação


Sei pouco de manhãs


mas talvez possam dizer de mim que amei o mar


e cada árvore que me viu passar


e insistir na vida como uma canção em voga


Quem mais que eu


quem foi esqueceu?


Estamos mal feitos pronto


Para quê uma doçura no olhar


de uma mulher certos dias?


O morno calor do sol rasante pelas tardes


de setembro na senhora da guia


senti-lo em abril numa sala voltada ao poente


de súbito sabendo de todos os papéis

ou outra eternidade que não essa


Talvez ouvir egmont sentindo-me impotente de repente


ou então conversar sobre o poeta à beira de água


chegar a mangualde ao pôr do sol


ou a duas igrejas na semana santa


ouvir os sinos na matriz vizinha


cheirar madeira nova nas gavetas


fechar a porta sobre todos os cuidados


cantar a triunfante juventude


Não mais andar perdido de ano em ano

Não mais a morte questão para ociosos


à tarde no café dos reformados


Oh quem me dera ser católico


ou pelo menos morar alguma vez


em lisboa ou nos arredores de lisboa

Não há remédio nenhum


esqueci-me de tanta coisa


Sei que isto não é grande coisa


mas nenhuma outra coisa me é dada


O que é preciso é que não doa muito


Depois que me escondam na terra como uma vergonha







Ruy Belo, Todos os poemas

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